27 agosto 2009

sobre o lixo

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Desde que vi ´Gomorra´ mudei drasticamente a minha percepção sobre o lixo. Ao contrário da grande maioria que viu o filme, o núcleo que mais me choca é o da máfia que negocia o escoamento do lixo tóxico industrial controlada pela Camorra italiana. Fiquei muito (MUITO) impressionada com a serenidade e naturalidade com que é negociado todo o trâmite.

É assim: a empresa produtora desse tipo de detrito é abordada por uma outra que promete tomar conta do “trabalho sujo” sem permitir que o seu cliente chegue perto de colocar as mãos (cobertas de pelica) na merda. Apenas no bolso. Literalmente.
O preço atrai e a oferta parece boa demais para ser “limpa”, mas a terceirizada garante “papéis brancos” e legalidade. “Fazemos como na América, we keep it clean.”

Ufa, aí sim.

A Camorra contrata trabalhadores do campo para enterrar o lixo venenoso num canto qualquer nos arredores da Campânia, a principal região onde a máfia atua. Os filhos da puta consultam estudos topográficos que dizem onde a natureza falhou (qualquer precipício, aterro ou mina resolvem o problema) e lá enterram toda a merda em um rápido e barato esquema de disfarce. Lavou, tá novo. Depois de pronto parece que nada passou por ali.
Et voilà, they kept it “white”.

Existe uma triangulação territorial nessa região entre as cidades de Giugliano-Villaricca-Qualiano que possui 39 aterros, dos quais 27 são de materiais de alta contaminação. Mas não tem problema... encheu? Toca fogo! Gente, em época de aquecimento global tem mais é que reciclar, néam? O mais assustador é que mesmo assim, o território aumenta 30% ao ano em metros cúbicos. TRINTAPORCENTO.
Bobagem mencionar que a terra torna-se cada dia mais estéril e que a mortalidade por câncer aumentou 21% nos últimos anos.

Ainda na reciclagem; depois de terem sido usados até o talo, queimados, enchidos outra vez e reutilizados até a podridão completa do solo, os clãs mafiosos conseguiram transformar esses lugares em terrenos edificáveis. Assim levantam graciosos aglomerados de casinhas vendidas a preços baixos. Ó que amor?
Mas porque mesmo lembrei disso?

Ah sim... por isso:



Importação nos tempos da crise

Li na Piaú um artigo ótimo e conciso sobre o lixo que aportou em Santos em forma de 4 contâiners pesando o total de 1.600 toneladas (sim, coloque muitos zeros aí) vindo da Inglaterra. Sucata doméstica, refugo industrial, sobras de comida e muitos vermes comendo a matéria orgânica em decomposição.

Destaque para a piada pronta: dentre os restos, encontraram caixas de dvd com o rótulo do Conselho Nacional de Pesquisa sobre o Meio Ambiente Britânico que continham documentários sobre a mudança climática do mundo. Palmas para todos.

É quase uma figura de linguagem resumida a uma imagem. Podíamos batizar, né? Tipo, hiper-pleonasmo-metonímico.

Eu imagino os funcionários portuários abrindo as portas da adorável remessa:

- Alô, seu Jaime. Então… er... o senhor não quer dar um pulo aqui?

Ninguém sabe, ninguém viu. Esse quase imperceptível volume fétido navegando mar afora, desbravando as águas oceânicas não tinha pai nem mãe nem muito menos o espírito santo.

O resumo da história é que o Brasil enterra a tonelada de lixo pela “pechincha” de R$ 45. Dez vezes menos do que no Reino Unido. Que tal? É o país exportando a sua expertise, meu Brasil!

Aposto que existe um canto do Acre pronto pra ficar atoladinho.

O mais legal é que consta registrado que o Brasil já chegou a importar 466,6 toneladas de pneus carecas ingleses. Oi? Pra quê mesmo? Ah, sim! Para unirem-se às caudalosas águas do rio tietê-em-flor.

Mas pelo visto esse leva e traz de containers podres, premiados como kinder-ovos não é exclusivo de paraísos naturais em desenvolvimento como o nosso, mas também de países tão europeus quanto a Alemanha. Ela tem um “défciti de merda” de 4 milhões de tonelada para abastecer as suas usinas termelétricas movidas a resíduos e compra o lixo camorrano da Itália pela salgada oferta de 250 euros a tonelada. Scheiße! Quase 14 vezes mais do que gastamos para enterrar aqui no Brasil.

Justo. Afinal, eles comem Barilla.

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