22 junho 2010

1994

.








Camila é sagaz, safa, muito atenta. Ouve tudo quieta como uma lápide e ri sempre na hora certa. Duvida e entende - como os inteligentes - e senta bem no meio da sala; uma antena parabólica buscando o melhor ângulo para captar tudo. 





Senti uma curiosidade por ela como quem quer ver a boneca da nova colega de sala. Aos dezesseis anos, Camila É minha colega de sala. Eu? 27. 

Além de sobrinhos que circulam pela faixa etária de único dígito, é parco o meu convívio com pessoas MUITO mais novas. A saber; indivíduos que nasceram depois de 90 sempre me despertam um certo encanto: como é 2010 para um adolescente?! Será que é um mundo infinitamente maior do que o meu? 

Em sala ela senta-se e cruza a pernas, defendendo-se gentilmente de olhares complacentes. Não muda de lugar, não bebe água ou vinho. Não reclama, não interfere, não traz o ego na lancheira. Mas Camila escreve, e muito bem.

Dentro de um universo às vezes familiar por temática ou indecifrável por tempo, os seus textos sempre são bons. Claros e econômicos de enfeite.

Sua mãe também frequenta o mesmo curso, e também é uma querida colega. Mãe, jornalista e quase engenheira da informação, deve saber a sorte que tem. Dividir a sala de aula com uma filha que sabe o título, a trama e os nomes dos principais personagens de tantas grandes obras e opina sobre todos com pequenas pinceladas de conhecimento, só pode ser uma experiência especial. 

"É que eu estudo...", disse ela hoje.

"... e nós não", completei mentalmente.

Não sobrou nada diante de tamanha verdade; rimos. E muito.

.

photo credit: Olivia Bee

21 junho 2010

Ditados de uma geração em (na) crise - XI


.

"O amor é sexualmente transmissível."

Marçal Aquino

.

photo credit: Peter Funch

sobre este - metaelogio

"
Eu gosto da sua justaposicao de fotos e texos.

Eu gosto de como voce elabora seus textos, claramente editados com carinho.

Eu gosto da selecao de citacoes, sempre fotografando seu momento emocional.

Eu gosto da frequencia em que voce escreve, mas nao de suas pausas longas.

Eu gosto da sua voz infinitamente sincera, expondo suas fragilidades.

Eu gosto da sua falta de medo quando escreve. Muito diferente de quando fala.

Eu gosto de seu ritmo, escrevendo sobre os pensamentos do agora.

Eu gosto de como voce escreve para uma audiencia que te conhece, sem esforço para fazer novas pessoas te conhecerem.
"

18 junho 2010

da (nova) série: trechos de livros que mudam nossas vidas - II

.



"(...) se antes de cada acto nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar. Os bons e os maus resultados dos nossos ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma forma bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-lo, para congratular-nos ou pedir perdão, aliás, há quem diga que isso é que é a imortalidade de que tanto se fala (...)"

.

(sara) mago

photo credit: Ryan Mcginley

17 junho 2010

daily doses of funny-phone

.

Faaala Capitão Afonso! Já saiu de lá?

hmm

uhumm

Tá. Tá.

E a saída de emergência?!

Tá.

Ahã.

Então tem que dar uma entrada nela de novo?

Ahhh.

Tá jóia então, meu Capitão!

Saudações, HEIN?

.

16 junho 2010

da (nova) série: trechos de livros que mudam nossas vidas - I

.



"Sometimes fate is like a small sandstorm that keeps changing directions. You change direction but the sandstorm chases you. You turn again, but the storm adjusts. Over and over you play this out, like some ominous dance with death just before dawn. Why? Because this storm isn't something that blew in from far away, something that has nothing to do with you. This storm is you. Something inside of you. So all you can do is give in to it, step right inside the storm, closing your eyes and plugging up your ears so the sand doesn't get in, and walk through it, step by step. There's no sun there, no moon, no direction, no sense of time. Just fine white sand swirling up into the sky like pulverized bones. That's the kind of sandstorm you need to imagine.

An you really will have to make it through that violent, metaphysical, symbolic storm. No matter how metaphysical or symbolic it might be, make no mistake about it: it will cut through flesh like a thousand razor blades. People will bleed there, and you will bleed too. Hot, red blood. You'll catch that blood in your hands, your own blood and the blood of others.

And once the storm is over you won't remember how you made it through, how you managed to survive. You won't even be sure, in fact, whether the storm is really over. But one thing is certain. When you come out of the storm you won't be the same person who walked in. That's what this storm's all about."
 
Haruki Murakami (Kafka on the Shore)
 
.

photo credit: Toby Burrows

07 junho 2010

Ref: No. 33205190 (A.K.A. "lucky number")

.


.
7 June 2010

Dear Diana
Thank you for your recent application to Goldsmiths to join our MA Media and Communications programme of study.
I am pleased to confirm that we would like to offer you a place on the above programme and that the details of your offer, including any conditions of entry which might apply, will be sent out to you by the Admissions Office within the next few weeks.

Please respond to b.ludlow@gold for any queries relating to deposits and always quote your reference number on all correspondence.
Please do not hesitate to contact me (b.ludlow@gold.ac.uk) should you have any questions regarding this process.
Yours sincerely,
Brenda Ludlow

Postgraduate Secretary

Department of Media & Communications (Room MB257)

Goldsmiths, University of London

04 junho 2010

cigarettes and coffee (da série exercícios de escrita criativa - em sala)

.

- Lembra daquele dia em que você estreiou o macacão amarelo da Pakalolo, aquele com umas flores no lugar de botões que você usava com um tênis de velcro que o papai comprou para você em Miami e dava para guardar uma moedinha num bolso lateral - sempre achei você fofa de macacão, acho que eles ainda te vestem muito bem, principalmente aquele seu cor verde-petróleo que o Bruno te deu no aniversário de namoro no ano passado... Naquele dia o papai cortou a sua franja super curta e meio torta, eu odiava quando ele fazia isso, nunca entendi porque a gente não cortava o cabelo no salão normal como qualquer criança da nossa idade, mas isso fazia de nós uma família diferente, nos fazia ter hâmsters ao invés de cachorros e bolo de laranja ao invés de chocolate e....

- Péra, você está falando do meu aniversário de 11 anos?

- É. Naquele dia a mamãe ligou.

- Foi você que atendeu?

- Desculpa.

.

02 junho 2010

da série: exercícios de escrita criativa -11

.
Premissas: escrever um texto descritivo sobre alguma parte do corpo
.

Sobre aquelas manhãs

Nos dias em que o sol não me nasce e o peito é uma janela por onde a força do vento gelado corre e estupra dores, ele sabe. Não pula em regozijo de uma noite bem dormida. Não afia seu instinto na saia do meu leito. Não grita em protesto à desonra de dormir fora da alcova.
Sobe, como em escada caracol, até o canto diagonalmente oposto; invisível, termômicro. Senta-se esguio - silencioso, acima de tudo - e nele enrola-se. Como se envolto de um trono de temperança e nobreza, observa-me com minúcia de análise e frieza de um temor ainda não confirmado. Confere se durmo acompanhada. Observa se me acompanha o travesseiro. Checa se amanheci esperançosa para a janela, ou desgostosa para o armário. Em rápidos segundos, ele sabe. “Hoje é dia”.
Certeiro e suave, levanta em câmera lenta a base, que se segue das rajadas mais amareladas, até a ponta ocre. Quatro ou cinco dedos acima da colcha, com aquela pontinha manchada no ar, mia; complacente. Enquanto se queixa, apoia com o mesmo respeito aquela estranha extensão sobre as suas patinhas dianteiras. Espera o meu sinal e me fita sem medo. Imóvel. Cavalheiro.
Tap Tap. Vem, eu digo. É a sua deixa para o resgate. Livra-se daquela barreira peluda que o protege dos possíveis infortúnios da má comunicação entre humanos e felinos e caminha a passos largos pela colcha com o rabo altaneiro e ombros enfíngicos. Sabe todos os “porquês” daquela manhã.
Perto, mas não o suficiente para tocá-lo, serpenteia aquele apêndice caudal sobre a colcha acariciando com a ponta o que quer que esteja a mostra de meu corpo. Faz-se presente, faz-se sentir. “Estou aqui”, diz a ternura. “Fico até passar”, confessa o ritmo. Aos poucos e sem uma gota de vulgaridade – como só os gatos sabem fazer – me dá a barriga. Sei que não está me pedindo carinho, mas sim permitindo que eu regozije junto com ele a delicia de um bom cafuné no lombo de um animal peludo. O seu rabo, em alerta, espera o primeiro carinho em alto. Ao segundo ou terceiro, já certo da proveniência daquela mão, deixa cair a cauda e assim a libera para a sua própria diversão, deliciosamente espásmica, como se regida por um outro sistema nervoso.
Pisca um olho. Pisca o outro. Fecha os dois, estica o pescoço e deixa aquela deliciosa mata de pêlos brancos do seu papo para cima. “Venha, aqui também é macio”. Sem a menor possibilidade de negar um pedido felino – aos gateiros cabe essa certeza – esqueço por um momento todo o pesar. Acaricio com o cuidado e o amor de quem massageia a sua própria alma aquela felicidade deliciosa tão alheia a mim.
prrrrrr… prrrrrr… ao primeiro ronronar tenho a já velha certeza: naquelas manhãs, é aquele pequeno, minúsculo coração batendo na minha cama que me ajuda a lembrar do meu.


.

Seguidores

Arquivo do blog