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Dela tenho um pouco de tudo.
Da cor dos olhos ao tom da voz, sou entre todos, a cria que mais se parece.
Dela herdei o formato do rosto, a cor dos cabelos, o suspiro e a curiosidade.
Nela descobri o significado da elegância, do bom gosto, do mau humor matutino e o prazer da leitura.
Dela tenho as pernas compridas, os olhos pequenos, a orelha rasgada e as sombrancelhas angulosas.
Ela me ensinou que, acima de tudo, está a felicidade (no sentido mais clichê da palavra).
Sempre insistiu nos bons modos à mesa, disse que poderiam me salvar de muitas situações no futuro... e ela tinha razão.
Aprendi a usar o garfo na mão esquerda, a falar espanhol fluentemente, a fazer tortilla de patatas, a usar o "por favor" e o "obrigada" para tudo o que faço na minha vida.
Com ela aprendi que a inteligência não serve de nada sem cultura, que a cultura não serve de nada sem referências, e que as referências só se adquirem com olhos curiosos.
Ela me mostrou muitos mundos e todos com o mesmo respeito: o mundo dela (que também é meu), o nosso (que também é dela), e todas as realidades paralelas a minha, sempre fincando os meus pés no chão para saber escolher.
As asas ela sempre soube que eu tinha, mas nem por isso me prendeu ao pé da cama: me ensinou a usá-las (a contragosto, sim) e me avisou que um dia "o meu circo ia passar".
Gosto dessa foto. Ela passou muitos anos na minha carteira, até que um porta-retrato a chamou para habitar a minha sala. Nariz do Fran, meio-sorriso da Patri e nesses olhos um mundo inteiro de possibilidades.
Saudades, mamá.
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