17 junho 2008

In "Pequenas Epifanias", Caio Fernando Abreu (fucking genius)

Meu coração é um traço seco. Vertical, pós-moderno, coloridíssimo neon, gravado em fundo preto.Meu coração é o mendigo mais faminto da rua mais miserável.Meu coração não tem forma, apenas som.Um noturno de Chopin em que Jim Morrinson colocou uma letra falando em morte, desejo e desamparo, gravado por uma banda punk. Couro negro, prego e piano.Meu coração é um bordel gótico em cujos quartos prostituem-se ninfetas decaídas, cafetões sensuais, deusas lésbicas, anões tarados, michês baratos, centauros gays e virgens loucas de todos os sexosMeu coração é um bar de uma única mesa, debruçado sobre a qual um único bêbado bebe um único copo de bourbon, contemplando um único garçom. Ao fundo, alguém geme um único verso arranhado. Rouco, louco.Meu coração é um filme noir projetado num cinema de quinta. A platéia joga pipoca na tela e vaia a história cheia de clichês.É um deserto nuclear varrido por um vento radioativo.Uma velha carpideira portuguesa, coberta de preto, cantando um fado lento e cheia de gemidos.Meu coração é um poço de mel, no centro de um jardim encantado, alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, transformam-se em cavalos brancos alados que voam para longe, em direção à estrela Vega.Faquir involuntário, cascata de champagne, púrpura rosa do Cairo, sapato de sola furada, verso de Mario Quintana, vitrine vazia, navalha afiada, figo maduro, papael crepom, cão uivando pra lua, ruína, simulacro, varinha de incenso. Acesa, aceso - vasto, vivo: meu coração teu.

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