09 dezembro 2008

me sinto... ridícula.

Todas as cartas de amor são ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,

Ridículas. As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas. Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas. A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas, Como os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente Ridículas.)

Álvaro de Campos.

2 comentários:

  1. Pode ser ridícula, mas que existam sempre! Porque se existem, é porque existiu, e existe, sentimento. E não há nada melhor no mundo do que viver, do que ser sentir, do que amar.

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  2. Anônimo17:37

    Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
    Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
    Arredores irregulares da minha emoção sincera,
    Sou eu aqui em mim, sou eu.
    Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
    Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
    Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.
    E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,
    Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
    De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
    Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.
    E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
    Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
    De haver melhor em mim do que eu.
    Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
    Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
    De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
    De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
    De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.
    Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
    Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
    De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo —
    A impressão de pão com manteiga e brinquedos
    De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
    De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela,
    Num ver chover com som lá fora
    E não as lágrimas mortas de custar a engolir.
    Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
    O emissário sem carta nem credenciais,
    O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
    A quem tinem as campainhas da cabeça
    Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.
    Sou eu mesmo, a charada sincopada
    Que ninguém da roda decifra nos serões de província.
    Sou eu mesmo, que remédio! ...

    álvaro de campos

    pensa nisso e um brinde aos ridículos!

    xxx

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