09 junho 2009

en un lugar de la mancha de cuyo nombre no puedo acordarme

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Tive a sorte de falar espanhol como minha segunda lingua desde que me entendo por gente. Gosto de falar mais de um idioma, sou fã absoluta de todas as formas de comunicação e daquele tipo de pessoa que vibrou em insights na aula de linguística e semiótica do Dallari na PUC. Adoro entender o jogo, o quebra-cabeça. Para mim esse sim, é o grande diferencial entre nós e os grilos, por exemplo.

Essa intimidade com o idioma se deu em muitos momentos, em muitas esferas. Minha mãe, nativa "chica del norte", me brindou o sotaque mais puro que poderia ter aprendido, o de Castilla y León na Espanha. Depois de muitos verões ibéricos, infância e adolescêcia frequentando um grupo de nativos contemporâneos, virei um deles. Joder, macho! Só quem realmente me conhecia sabia dos meus pequenos deslizes, uma consoante muda pronunciada pela metade, um sotaque mal colocado, uma gíria do verão anterior.

Depois veio Cuba. Acere...o berço da fonoaudiologia no mundo, ao meu ver. Nunca vi povo pra comer sílabas que nem esse. Levei uns cinco almoços no bandeijão da escola pra entender que querarô (sem entonação de interrogração) era só a atendente me oferecendo uma colherada de ARROZ e não alguém pedindo o meu RG. O bom de Cuba foi que lá conheci o espanhol colombiano, argentino, equatoriano, boliviano, portorriquenho, peruano e... aaah, o chileno.

O chileno é difícil pra porra também, mas com um charme, uma rapidez inteligente, un raciocíonio sagaz e charmosamente cantado com indignação. É óbvio que como sou uma apaixonada pelo fenômeno da comunicação, caí de quatro pelo sotaque mais questionador e sensual da minha turma. Gonzalo, ou El Perro. Claro, a barba malfeita e olhar de "bombacha" ajudaram (sempre ajuda, né Clau?).

Amei mais de um ano e meio aquela toada chilena, aquele "po, gueon" e o meu amado "guachita", que sempre me derreteu.
Os modismos colaram, as gírias já eram parte da rotina do meu idioma e minha mãe se queixava pela casa dizendo que "Cervantes estava se revirando na tumba com o meu espanhol corrompido" quando eu conheci a Cuatro Cabezas. Aí fodeu.

O homem argentino é, por natureza, uma espécie preguiçosa de hommo sapiens no âmbito comunicacional. Trabalhando então; não tem nenhuma dó. Falam como matracas na sua conjugação diferente de tudo; e quando o TU vira VOS... meu amigo, é melhor VOCÊ aprender rápido, pq senão perde o bonde.

Na Cuatro Cabezas ninguém se esforçava muito pra te entender e se vc bobeava um pouco o produtor executivo virava as costas e te colocava pra falar com o eletricista:

- Mirá qué quiere la nena que no entiendo un carajo.

E assim você ia passando de carão em carão, até que um dia você se enchia e mandava com todas as letras no meio do set:

- Che, deja de hacerte el pelotudo y ayudame con este quilombo que tengo acá... dale, campeón.

Ahi todos riam e você passava a fazer parte dos hispanohablantes funcionais. Uma pequena vitória, ainda mais para uma mulher. :P

Eu ainda tive a sorte de que o meu grande amigo também conhecido como El Turco, Hernan, Her, La Gorda, Hernani ou Fernando… além de ser argentino, tem consideráveis problemas de dicção. `As vezes é difícil acompanhá-lo até o final das frases e eu pareço uma tia velha tentando leitura labial. O português dele é um pouquinho preguiçoso (ele namora uma outra hispanohablante funcional, a Bela Clau), mas desde que ele aprendeu a conjugar o verbo “fazer” a gente se entende muito bem. E melhor, num portunhol que é só nosso.

Ainda hoje tenho prazer em compartimentar o meu cérebro em sotaques diferentes em determinadas situações. Acho divertido, - me sinto meio atriz, rs -, e dou graças a minha mãe por fazer hoje com os meus sobrinhos o que fez com os seus três filhos.

Em tempo, não há forma mais bonita de dizer “eu te amo” do que “te quiero”.

Gracias, Mamá!


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8 comentários:

  1. Sua vida é muito mais fácil que a minha, Capri:
    meu cotidiano com um argentino com problemas de dicção se resume em:
    1. entender o que ele fala quando está a) bravo, b) sonado e c) apressado.
    Um parto, juro.
    2. falar um portunhol que escritor de crônica deveria ter como exemplo:
    - Sogra, sua comida tá esquisita!!
    - O queeeeeeeeee???
    - No, no, não quis hablar rara, eh?
    - Rara? O queeeeeeeeeee???

    ou então:
    - Meu amor, eu rechacei esse porque não achei boa onda.
    - Mas Clau, vc diu esse porque era o elegido, arregla com ele porque senon vai dar problema por completo, entende?

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  2. Em tempo:

    1. Olhar de Bombacha é matador. Empiricamente comprovado.
    1. Almejo um dia, lá no futuro, falar "cenicero" como sua mãe fala.

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  3. Que delícia de post! Sim, você é um mix de tudo isso e ótimas referências! Uma ótima professora de espanhol e provedora das melhores expressões, em todos os "espanhóis", para se gritar alegremente ao dançar salsa!
    Besooootes nena!

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  4. Adorei. Adoro idiomas, e também acho que não existe forma mais linda de se falar eu te amo, como te quiero!!!
    adoraria ser hispanohablante, às vezes tento!!
    Besos

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  5. Oi Erica, obrigada por ler! (os amigos tem uma quase-obrigação, rs, os estranhos são uma festa!)
    Gostei do seu blog!
    Avisame cuando quieras practicar, y te ayudo!
    un beso

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  6. Igual decime la verdad, quando a gente mistura as linguas, e tentamos comunicarnos con girias e palavras que so nosotros conocemos, es incriveland!. Acho que o negocio, o kit de la cuestion, es querernos e por o hombro quando o outro lo nesecita, te quiero amiga, gosto muito de vc, e vc sabe disso, no?

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  7. Ainda quero aprender - oficialmente - a falar espanhol. Já fui a Cuba e à Argentina e me virei com o portunhol. Pelo menos não passei fome.
    E tu tens razão. Nada como dominar um novo idioma. Entender as regras do jogo realmente nos diferencia dos grilos.

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  8. mi nena fuefa!
    só quem cresceu em duas culturas é que pode entender de verdade...
    Adorei!!!

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